O conjunto de organismos que vivem em diferentes sistemas aquáticos –lagos, rios, represas e reservatórios. – é um complexo de grande importância botânica, zoológica, ecológica e econômica. Um grande número de grupos vegetais e animais está representado nesses diferentes ecossistemas.
A colonização de ambientes aquáticos continentais se dá com certa dificuldade por causa dos limites fisiológicos de plantas e animais e dos problemas de competição e interação nas redes alimentares. As condições em sistemas de águas continentais são muito mais variáveis que nos oceanos, onde variáveis físicas e químicas são relativamente mais constantes. Por exemplo, o pH e a temperatura em ambientes continentais variam muito, assim como as concentrações de oxigênio dissolvido. A ampla variabilidade climática física e química dos sistemas aquáticos continentais e as alterações que ocorreram ao longo de milhões de anos parecem ser a causa fundamental dessa diversidade mais baixa dos sistemas de água doces. Além das flutuações que ocorreram no tempo geológico, promovendo disrupções em funcionamento, extinguindo fauna e flora, há também uma descontinuidade física dos ecossistemas aquáticos continentais, tornando difícil a recolonização e a manutenção de um conjunto de espécies e populações – quando ocorre, por exemplo, uma catástrofe.
Além dos processos naturais bastante flutuantes nos sistemas continentais, deve-se ainda considerar que a exploração e o uso da água desses sistemas pelo homem geraram processos adicionais de variabilidade química, física e, inclusive, biológica, tornando mais difícil a colonização e a manutenção de uma diversidade. Durante os últimos 100 anos, processos antrópicos atingiram águas doces de forma extremamente ampla e com grande magnitude. Por exemplo, a construção de represas modificou bastante os sistemas de rios em todo o planeta, e as contribuições das bacias hidrográficas e dos sistemas terrestres próximos a rios e lagos aumentaram muito.
a- Algumas espécies dependem de água doce para todos os estágios do seu ciclo de vida; por exemplo, peixes de água doce, crustáceos e rotíferos.
b- Algumas espécies necessitam de águas doces para completar seu ciclo de vida, tais como anfíbios e insetos.
c- Algumas espécies necessitam somente de habitats úmidos, como algumas espécies de Collembola.
d- Algumas espécies são dependentes de água doce para alimento ou habitat, como pássaros aquáticos, mamíferos ou parasitas que utilizam um hospedeiro animal que é um organismo de água doce. Portanto, pode-se considerar que existem espécies que são “verdadeiramente de água doce” e espécies que são “dependentes de água doce”.
Os organismos e as comunidades têm um papel fundamental nos processos de funcionamento de rios, lagos e áreas alagadas. Sendo o ecossistema a unidade de referência básica em limnologia e ecologia, devem ser investigadas as principais inter-relações entre os componentes das comunidades e os meios físico e químico. Essas inter-relações podem ser determinadas a partir de um processo contínuo de medidas, coletas e experimentações. Nas comunidades devem-se considerar a biomassa (quantidade de matéria viva existente em um dado momento por unidade de área ou volume), a diversidade de espécies, a coexistência de várias espécies, a distribuição horizontal e vertical, flutuações e ciclos.
A conservação da biodiversidade em geral e especificamente a biodiversidade aquática é fundamental para a manutenção de processos na biosfera e para manter o curso da evolução natural dos sistemas. Em muitas regiões tropicais, os estudos sobre a biodiversidade aquática ainda estão em uma fase intermediária e não muito avançada do conhecimento. Essas regiões tropicais, especialmente os grandes deltas internos dos grandes rios na América do Sul, África e Sudeste da Ásia, são centros ativos de evolução por causa de sua biodiversidade e dos processos de interação e fluxo genérico (Tundisi, 2003).
Segue abaixo uma descrição sucinta dos principais grupos de organismos que compõem as comunidades aquáticas:
a- Vírus
Vírus são organismos em geral com pequenas dimensões (0,02 μm), que podem ser visualizados apenas com o uso de técnicas especiais e microscópios eletrônicos. Seu papel nos ecossistemas aquáticos ainda é pouco conhecido.
Entretanto podem causar doenças como hepatite, se sobreviverem em águas naturais.
b- Bactérias e fungos
As bactérias e os fungos têm um papel muito importante no ecossistema, que é o da reciclagem de matéria orgânica e inorgânica. São intermediários em um grande número de transformações químicas na natureza.
Bactérias heterotróficas são agentes decompositores de matéria orgânica em rios e lagos e proporcionam alimento para organismos detritívoros. As bactérias atuam no ciclo do nitrogênio (nitrificação e desnitrificação) e na mineralização do enxofre e do carbono. As bactérias quimiolitotróficas encontradas no sedimento ou em partículas em suspensão são responsáveis pela oxidação do Fe++ a Fe+++, pela oxidação de amônia a nitrito e nitrato, e de H2S a SO4–.
As bactérias anaeróbicas e sulfatorredutoras realizam o processo inverso, reduzem o sulfato (SO4–) para gás sulfídrico (H2S) no interior dos sedimentos de fundos de lagos e rios. As bactérias fotossintetizantes (fotoautotróficas ou fotolitotróficas) utilizam como substrato H2S e CO2, encontram-se em regiões anóxicas e iluminadas no metalímnio de lagos permanentemente estratificados (meromíticos), formando camadas de alguns centímetros de espessura em profundidades com baixas intensidades luminosas (entre 0,1 e 1,0% de intensidade luminosa que chega à superfície).
c- Algas
As algas podem constituir parte do fitoplâncton ou encontram-se presas a um substrato. Elas habitam uma variada gama de ecossistemas aquáticos continentais e marinhos. Têm grande importância como produtores primários da matéria orgânica, embora, em regiões rasas e iluminadas, macrófitas submersas ou emersas possam ser os produtores primários mais importantes.
As algas são um grupo diversificado, podendo ser coloniais ou unicelulares, com colônias filamentosas. Podem reproduzir-se vegetativamente ou desenvolver células reprodutoras especiais. Podem ser utilizadas em ensaios de ecotoxicidade para a avaliação da qualidade de um corpo hídrico.
d- Protozoários
Os protozoários são encontrados em praticamente todos os sistemas aquáticos, e muitas espécies são cosmopolitas por causa das facilidades de dispersão das formas de resistência. Alimentam-se de detritos, bactérias, algas, locomovendo-se por meio de flagelos ou cílios. Algumas espécies do gênero Stentor apresentam um pigmento de stentorina (radical quinona), contendo células vivas de Chlorella que participam ativamente do metabolismo.
A classificação dos protozoários é feita quanto à forma de locomoção, o que inclui flagelados (Euglena), ciliados (Paramecium), amebóides (Globigerina) e esporozoários – estes, parasitas da espécies humana (Plasmodium) ou de peixes.
Protozoários ciliados de vida livre do gênero Stentor são encontrados em muitos lagos ou tanques. Devido às formas de resistência muito eficientes, os protozoários são também encontrados em águas temporárias de regiões áridas e semiáridas.
e- Poríferos (esponjas de água doce)
Esponjas de água doce ocorrem em rios, lagos e represas. Segundo levantamento realizado em 1999, ocorrem no Brasil 20 gêneros de esponjas de água doce (um gênero endêmico) e 44 espécies. Radiospongilla amazonensis ocorre com ampla distribuição no Brasil e, provavelmente, na Argentina. Esponjas são indicadores ambientais importantes, ocupando ambientes de inundação temporária, substratos profundos de rios da região amazônica ou, ainda, lagoas de águas doces ou salobras de águas costeiras do Brasil.
f- Cnidários
Os Cnidários são um filo primariamente marinho, com alguns representantes de água doce da classe Hydrozoa. A fase de medusa é a de reprodução sexual e que produz a dispersão. Há cerca de 30 a 45 espécies de cnidários de águas doces. A medusa Craspedacusta sowerbii colonizou todos os continentes, menos a Antártida.
g- Platelmintos
Os representantes do filo Platelmintos apresentam quatro classes: Cestodes, Trematodes, Monogenea e Turbelária (planárias). A maioria das espécies de microturbelários é de água doces (400 espécies). Dos macroturbelários, 100 espécies são de águas doces. Platelmintos (planárias) de vida livre apresentam 150 espécies no lago Baikal, onde 130 espécies são endêmicas.
h- Rotíferos
Existem cerca de 1.800 espécies de rotíferos, que são praticamente de águas continentais e cosmopolitas. Rotíferos constituem um importante componente do zooplâncton em lagos e represas com baixo tempo de retenção. Podem ser sésseis. Alimentam-se de material em suspensão, concentrado por meio de uma coroa de cílios que é utilizada para movimentação também. Alguns rotíferos são predadores. Suas estruturas são denominadas trophi e seu corpo é protegido por uma cutícula denominada lorica. Trophi e lorica são utilizados para a classificação de rotíferos.
A fauna de rotíferos na América do Sul tropical e na Ásia é bastante diversa e rica em espécies endêmicas. Há um grande número de espécies registradas no Brasil e no estado de São Paulo.
i- Moluscos
Entre os moluscos, há os bivalves, os lamelibrânquios e também os pulmonados.
Grande parte desses organismos alimenta-se de detritos, fitobentos e bactérias. Grandes moluscos da família Anodontidae são encontrados em rios e represas, em muitos casos com uma biomassa expressiva que atinge milhares de indivíduos por km2. Entre os moluscos, os representantes do gênero Biomphalaria são de importância sanitária e médica, devido à transmissão de esquistossomose (esses moluscos são hospedeiros das cercarias do Shistossoma sp, o que ocorre especificamente nos trópicos e é causa de grandes problemas sanitários e de saúde pública em regiões semiáridas do Brasil).
j- Anelídeos
Dos anelídeos, as duas principais classes são Poliquetos e Oligoquetos. Poliquetos têm representantes quase exclusivamente marinhos e algumas poucas espécies de águas doces. Oligoquetos são bem representados em águas doces e em ambientes marinhos. Existem aproximadamente 600 espécies de Oligoquetos no planeta. Os Oligoguetos são utilizados para a avaliação da qualidade dos sedimentos, através de uma metodologia de monitoramento da fauna bentônica. No Brasil, há cerca de 70 espécies, e no estado de São Paulo foram registradas 46 espécies.
k- Decápodes
Há cerca de 10 mil espécies de decápodes na Terra, das quais 116 no Brasil. No estado de São Paulo, há 33 espécies conhecidas. Decápodes dominam águas tropicais e subtropicais nas Américas do Sul e Central, Europa e Sudeste da Ásia. Entre os crustáceos decápodes encontram-se camarões e caranguejos (branquiúros e aeglídeos), com importância econômica e ecológica. Lagostins de água doce pertencem à família Parastacidae. Os caranguejos de água doce pertencem à família Aeglidae, cujo gênero Aegla apresenta 35 espécies registradas no Brasil (Bond-Buckup e Buckup, 1994).
l- Crustáceos
Crustáceos são organismos bentônicos ou planctônicos e têm uma grande
importância na estrutura e função de lagos, rios, represas, águas doces em geral, estuários e águas oceânicas. Todos os crustáceos apresentam um exoesqueleto com quitina, o qual pode também ser enriquecido com carbonato de cálcio. A classificação dos crustáceos é feita a partir das características e do desenho do exoesqueleto, bem como do número de segmentos e apêndices. A família de microcrustáceos de água doce, os Daphnídeos, (Daphnia magna, Ceriodaphinia silvestri), é frequentemente utilizada em ensaios de ecotoxicidade (aguda ou crônica) para avaliar a qualidade de corpos hídricos.
m- Insetos aquáticos
Em rios, lagos, represas e áreas alagadas, os insetos aquáticos e suas larvas são encontrados em grande abundância. Muitas dessas larvas conseguem sobreviver em águas com grande velocidade de corrente e possuem características morfológicas especiais para resistir ao movimento da água. A maioria dos adultos desses insetos aquáticos é constituída de formas aéreas de vida curta. Essas larvas de insetos podem ser predadoras. Adultos da família Belostomaticea (barata d’água) são predadores vorazes, que podem capturar pequenos peixes. Larvas de quironomídeos são importantes componentes de zoobentos. As larvas de Chaoborus são os únicos representantes de formas larvais de insetos aquáticos no plâncton. A maioria das larvas de insetos está localizada no bentos.
n- Peixes
Os peixes constituem parte da comunidade nectônica de grande importância evolutiva, econômica e ecológica. A interação dos peixes com o ecosistema aquático e a biota aquática ocorre por meio de inter-relações alimentares e de efeitos na composição química das águas (respiração e excreção) e no sedimento (remoção de outros organismos, perturbação do sedimento). Os peixes também transportam matéria orgânica, vertical e horizontalmente, devido à sua grande capacidade de deslocamento, e, em alguns casos, ocorrem extensas migrações entre águas doces e marinhas. Muitas espécies têm uma capacidade extremamente avançada de regulação osmótica, o que lhes facilita a colonização de águas interiores com várias concentrações salinas, e a migração entre águas continentais e águas marinhas (oceânicas e estuários).
o- Anfíbios, répteis, pássaros e mamíferos
Este conjunto de organismos tem um papel extremamente importante nos sistemas aquáticos continentais, especialmente lagos rasos, áreas alagadas e estuários.
Os anfíbios usam a água desde os estágios iniciais de vida, uma vez que, para muitas espécies, os girinos habitam águas rasas de rios e lagos. Anfíbios também têm importância na rede alimentar próxima às interfaces sistema terrestre/sistema aquático.
Répteis têm grande importância ecológica, especialmente em águas de lagos tropicais e nos grandes deltas internos. Tartarugas, crocodilos, jacarés e algumas espécies de serpentes habitam águas rasas e são predadores importantes, que têm papel relevante no controle da fauna de peixes, pequenos mamíferos e de aves de regiões alagadas. Além desses efeitos na rede alimentar, esses animais têm um papel extremamente relevante na reciclagem de nutrientes devido à excreção. Excreção de amônia por Caiman latirrosrtis foi demonstrada em um experimento único por Fitkau et al. (1975), em um estudo único realizado no Amazonas.
Mamíferos do tipo capivaras e ratões do banhado, os grande roedores que vivem em sistemas aquáticos, têm um papel importante na reciclagem de nutrientes, seja pela excreção, seja pela permanente remoção e alteração do sedimento. Muitos mamíferos vivem em áreas próximas a ambientes aquáticos continentais. Entretanto, algumas espécies vivem diretamente na água e da água, como os castores roedores (o mais conhecido na América do Sul é a capivara – Hydrochaeris hydrochaeris).
Em lagos rasos e áreas alagadas, aves aquáticas desempenham um papel extraordinário, com efeitos quantitativos e qualitativos sobre a rede alimentar e na reciclagem de nutrientes. Essas aves podem alimentar-se de plâncton (por exemplo, no lago Nakuru, na África, onde o flamingo vermelho Phoenicopterus minor alimenta-se de Spirulina sp e microfitobentos) ou de peixes, alternando significativamente a biomassa de muitas espécies. Além desse papel na rede alimentar, aves aquáticas também transportam organismos em longas migrações, sendo, provavelmente, fundamentais para a colonização de espécies invasoras em muitos lagos, áreas alagadas e represas do Planeta.